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domingo, 7 de agosto de 2011

Decisão favorável do TST de agosto (mais uma luta ganha pessoal)

Amigos antes de tudo tenho que dar os créditos desta pesquisa aos amigos do blog ARIEL, ADRIANA e MOISES, obrigado pelo caminho e confiança no trabalho desenvolvido aqui pelo blog.


A C Ó R D Ã O
(Órgão Especial)
GMLBC/vv/jr
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA - HIPOACUSIA CONDUTIVA BILATERAL SUPERIOR A QUARENTA E UM DECIBÉIS EM UMA DAS ORELHAS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. VAGA DESTINADA A PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. RECONHECIMENTO. 1. O escopo da legislação, no que tange à observância do critério erigido em lei e consagrado no edital do concurso relativamente à destinação de vagas a pessoas portadoras de deficiência, é assegurar o acesso de portadores de deficiência ao mercado de trabalho, buscando não apenas reduzir as dificuldades materiais decorrentes de sua condição especial, mas, sobretudo, superar a barreira maior que se impõe à sua total inclusão em todos os aspectos da vida social: o preconceito. Nisso consiste a ação afirmativa, ferramenta essencial na promoção da igualdade real entre os seres humanos - primado básico dos direitos fundamentais reconhecidos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Por meio da ação afirmativa, dá-se sentido e conteúdo ao princípio isonômico consagrado na cabeça do artigo 5º da Constituição da República. 2. Na hipótese, a candidata é portadora de hipoacusia condutiva bilateral, ou seja, de deficiência auditiva nas duas orelhas, o que afeta a vida cotidiana do ser humano, dificultando a distinção de sons e de sua modulação, a ponto de tornar extremamente difícil a simples compreensão da voz humana em ambiente de ruído. Tal deficiência pode até mesmo acarretar graves danos ao processo de aprendizagem. 3. Inafastável, portanto, o reconhecimento do direito líquido e certo da impetrante, pela realização do escopo material do princípio da igualdade, a ser considerada para a vaga destinada a pessoas portadoras de deficiência física, no caso de certame público, nos termos do edital do concurso, observada a sua classificação definitiva. 4. Segurança concedida.
                     Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança n.º TST-MS-2086806-67.2009.5.00.0000, em que é Impetrante MARIA LÚCIA LOBO MAGALHÃES e Impetrado MINISTRO PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO - TST.
                     Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Maria Lúcia Lobo Magalhães, candidata habilitada em concurso público para provimento de vagas e para formação de cadastro de reserva nos cargos de analista judiciário e técnico judiciário, realizado no Tribunal Superior do Trabalho, classificada em 4º lugar na listagem especial das vagas reservadas a pessoas portadoras de deficiência.
                     Afirma a impetrante que, convocada para a realização de perícia médica dos candidatos portadores de deficiência, a junta médica concluiu que, para fins do concurso público em comento, a impetrante não se enquadrava no conceito de deficiente auditivo previsto no Decreto n.º 3.298/99. Assevera que interpôs recurso ao resultado da perícia, ressaltando ser portadora de hipoacusia condutiva bilateral moderada na orelha direita e leve na orelha esquerda, mas que não obteve êxito, resultando, daí, a publicação do edital com o resultado definitivo do concurso sem que constasse seu nome como habilitada para o preenchimento de vaga destinada a pessoa portadora de deficiência.
                     Reputa violado seu direito líquido e certo, porquanto, na qualidade de portadora de deficiência auditiva superior a quarenta e um decibéis, sua situação encontra guarida na previsão contida no artigo 4º, inciso II, do Decreto n.º 3.298/99.
                     A autoridade coatora prestou informações às fls. 109/118, arguindo, preliminarmente, a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, por recair sobre o Colegiado do Tribunal Superior do Trabalho a competência para julgamento de ato emanado da sua Presidência.
                     Mediante a decisão monocrática proferida às fls. 131/138, o Exmo. Juiz Federal Substituto da 14ª Vara do Distrito Federal declinou da sua competência, determinando a remessa dos autos a este Tribunal Superior do Trabalho para exame e julgamento do presente mandado de segurança.
                     Liminar concedida às fls. 144/149, a fim de determinar a reserva da vaga correspondente à classificação da impetrante, na lista das pessoas portadoras de deficiência, até o julgamento definitivo do presente mandado de segurança por este Órgão Especial.
                     O Ministério Público do Trabalho, mediante parecer da ilustre lavra do Exmo. Subprocurador-Geral do Trabalho Rogério Rodrigues Fernandez Filho, manifesta-se às fls. 156/159-verso, pelo cabimento e procedência da ação mandamental.
                     É o relatório.
                     V O T O
                     PRELIMINARMENTE, ressalta-se que, nos termos do artigo 113, § 2º, do Código de Processo Civil a declaração de incompetência absoluta acarreta a nulidade dos atos decisórios, perecendo, em consequência, a pretensão deduzida pela União em face da liminar deferida pelo Exmo. Juiz Federal Substituto da 14ª Vara do Distrito Federal.
                     I - CONHECIMENTO
                     Preenchidos os pressupostos genéricos de admissibilidade do presente mandado de segurança.
                     II - MÉRITO
                     Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Maria Lúcia Lobo Magalhães, candidata habilitada em concurso público para provimento de vagas e para formação de cadastro de reserva nos cargos de analista judiciário e técnico judiciário, realizado no Tribunal Superior do Trabalho, classificada em 4º lugar na listagem especial das vagas reservadas a pessoas portadoras de deficiência.
                     Afirma a impetrante que, convocada para a realização de perícia médica dos candidatos portadores de deficiência, a junta médica concluiu que, para fins do concurso público em comento, a impetrante não se enquadrava no conceito de deficiente auditivo previsto no Decreto n.º 3.298/99. Assevera que interpôs recurso ao resultado da perícia, ressaltando ser portadora de hipoacusia condutiva bilateral moderada na orelha direita e leve na orelha esquerda, mas que não obteve êxito, resultando, daí, a publicação do edital com o resultado definitivo do concurso sem que constasse seu nome como habilitada para o preenchimento de vaga destinada a pessoa portadora de deficiência.
                     Assevera caracterizada a violação de seu direito líquido e certo, porquanto, na qualidade de portadora de deficiência auditiva superior a quarenta e um decibéis, sua situação encontra guarida na previsão contida no artigo 4º, inciso II, do Decreto n.º 3.298/99.
                     Consoante destacado, a segurança pleiteada objetiva assegurar a observância do critério erigido em lei e consagrado no edital do concurso relativamente à destinação de vagas a pessoas portadoras de deficiência.
                     A ora impetrante é portadora de hipoacusia condutiva bilateral moderada na orelha direita e leve na orelha esquerda, conforme atestado por relatório médico particular, à fl. 12. Referida disfunção, de origem congênita, segundo consta do laudo da perícia médica realizada pelo CESPE/UNB, à fl. 11, instituição contratada por esta Corte superior para tal fim não importa em perda auditiva do lado esquerdo acima do limite estabelecido no inciso II do artigo 4º do Decreto n.º 3.298/99, com a redação dada pelo Decreto n.º 5.296/2004, de quarenta e um decibéis (dB). Por essa razão, concluiu aquele órgão administrativo que, para os fins de concurso público, a candidata não se enquadra no conceito de deficiente auditivo. Esse entendimento foi corroborado pela d. autoridade coatora.
                     Eis o teor do artigo 4º, inciso II, do Decreto n.º 3.298/99, com a redação dada pelo artigo 70 do Decreto n.º 5.296/2004 (os grifos foram acrescidos):
    Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:  
    I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;
    II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;
    III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;
    IV -.........................................................................................................
    d) utilização dos recursos da comunidade;
                     Extrai-se do texto legal reproduzido que a deficiência auditiva caracteriza-se pela perda bilateral, parcial ou total, igual ou superior a quarenta e um decibéis. Como visto, a candidata tem perda bilateral, ou seja, deficiência auditiva nas duas orelhas. Na direita, acima de quarenta e um decibéis. Na esquerda, segundo a perícia médica, abaixo desse limite. Tal situação é incompatível com o previsto no artigo 4º, inciso II, do Decreto n.º 3.298/99, com a redação dada pelo artigo 70 do Decreto n.º 5.296/2004, que considera deficiência a perda auditiva bilateral e parcial de quarenta e um decibéis.
                     Saliente-se que a exigência a que alude o laudo pericial, no sentido de que a candidata deveria apresentar, também, a perda auditiva acima de quarenta e um decibéis na orelha esquerda, para os fins de enquadramento no conceito de deficiente auditivo, torna letra morta a expressão -parcial- contida no aludido preceito. Nesse mesmo sentido, nem se diga que a situação da candidata configura perda unilateral de audição, já que demonstra índice superior ao limite de decibéis em uma orelha. A perda é bilateral, na medida em que ambas as orelhas apresentam deficiência.
                     O escopo da lei, nesse sentido, é assegurar o acesso de pessoas portadoras de deficiência ao mercado de trabalho, buscando não apenas reduzir as dificuldades materiais decorrentes de sua condição especial, mas, sobretudo, superar a barreira maior que se impõe à sua total inclusão em todos os aspectos da vida social: o preconceito. Nisso consiste a ação afirmativa, ferramenta essencial na promoção da igualdade real entre os seres humanos - primado básico dos direitos fundamentais reconhecidos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
                     Assim, uma vez constatada a condição física ou mental insuficiente a inabilitar para o trabalho, mas capaz de estabelecer diferença significativa - em comparação com os não portadores de tal deficiência - na condição de acesso à educação, à formação profissional e ao emprego, justifica-se o recurso à ação afirmativa, em ordem a assegurar efetividade ao princípio isonômico.
                     Imperioso ressaltar que a perda da audição, ainda que em uma das orelhas, afeta gravemente a vida cotidiana do ser humano, dificultando a distinção de sons e de sua modulação, a ponto de tornar extremamente difícil a simples compreensão da voz humana em ambiente de ruído. Essa deficiência pode acarretar graves danos ao processo de aprendizagem, como observam Isabel Cristina Cavalcanti Lemos e Mariza Ribeiro Feniman:
    Crianças com frequente hipoacusia, por causa de OME, podem apresentar prejuízo no desenvolvimento de habilidades auditivas, uma vez que um sistema auditivo com alteração periférica pode ser incapaz de decodificar corretamente a mensagem, levando o ouvinte a receber mensagens distorcidas e incompletas. O desenvolvimento das habilidades auditivas envolvidas no processamento auditivo depende de uma capacidade inata e biológica do indivíduo, bem como de sua experiência com o meio. Alterações nessas habilidades podem levar a prejuízos no desempenho acadêmico, atraso de linguagem, dificuldade para entender apropriadamente o que lhe é dito e dificuldade de aprendizagem.
     Perdas auditivas condutivas nos primeiros anos de vida podem levar a transtornos de processamento auditivo, de atenção e, consequentemente, dificuldades de aprendizado da comunicação. (-Teste de Habilidade de Atenção Auditiva Sustentada (THAAS) em Crianças de Sete Anos com Fissura Labiopalatina-, Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, vol. 76, n.º 2, São Paulo, março/abril de 2010.)
                     No caso da impetrante, a situação mais se agrava quando considerado que a orelha menos afetada sofre, ainda assim, de hipoacusia leve.
                     Registre-se, por derradeiro, que, em hipótese similar, no caso de deficiência auditiva unilateral, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do ROMS-20685, Relator Ministro Paulo Medina, 6ª Turma, publicado no DJU de 30/10/2006, foi além e sufragou tese no sentido da desnecessidade de a deficiência auditiva caracterizar-se de forma bilateral, bastando a sua presença em uma das orelhas para justificar o enquadramento na previsão legal em comento, sob a modalidade de -deficiência auditiva parcial-:
    RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA - RESERVA DE VAGA NEGADA PELA ADMINISTRAÇÃO DEVIDO À COMPROVAÇÃO DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL - MATÉRIA DE DIREITO - POSSIBILIDADE DE IMPETRAÇÃO DO WRIT - APLICAÇÃO ERRÔNEA DA RESOLUÇÃO N.º 17/2003 DO CONADE - LEI N.º 7.853/89 - DECRETOS N.ºs 3.298/99 e 5.296/2004 - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - RECURSO PROVIDO.
    1. A matéria de que trata os autos, qual seja, saber se a surdez unilateral vem a caracterizar deficiência física ou não, é matéria de direito, que não exige dilação probatória, podendo, por conseguinte, ser objeto de mandado de segurança.
    2. A reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais, em concursos públicos, é prescrita pelo art. 37, VIII, CR/88, regulamentado pela Lei n.º 7.853/89 e, esta, pelos Decretos n.ºs 3.298/99 e 5.296/2004.
    3. Os exames periciais realizados pela Administração demonstraram que o Recorrente possui, no ouvido esquerdo, deficiência auditiva superior à média fixada pelo art. 4º, I, do Decreto n.º 3.298/99, com a redação dada pelo Decreto n.º 5.296/2004.
    Desnecessidade de a deficiência auditiva ser bilateral, podendo ser, segundo as disposições normativas, apenas, parcial.
    4. Inaplicabilidade da Resolução n.º 17/2003 do CONADE, por ser norma de natureza infra-legal e de hierarquia inferior à Lei n.º 7.853/89, bem como aos Decretos n.ºs 3.298/99 e 5.296/2004.
    5. Recurso ordinário provido.
                      
                     Diante do exposto, confirmo a liminar deferida nos presentes autos e concedo a segurança pleiteada, para, observada a posição da impetrante no certame, determinar a sua inclusão na lista de portadores de deficiência física e formação do cadastro de reserva no cargo de Técnico Judiciário, Área: Apoio Especializado - Especialidade: Programação, nos termos do edital do concurso público para preenchimento de cargos no Quadro de Pessoal deste Tribunal Superior do Trabalho, assegurando-lhe todos os direitos decorrentes da sua condição. Custas sobre o valor arbitrado à causa de R$ 2.000,00 (dois mil reais), isenta a União na forma da lei.
                     ISTO POSTO
                     ACORDAM os Ministros do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, confirmar a liminar deferida nos presentes autos e conceder a segurança pleiteada, para determinar a inclusão da impetrante na lista de portadores de deficiência física e formação do cadastro de reserva no cargo de Técnico Judiciário, Área: Apoio Especializado - Especialidade: Programação, nos termos do edital do concurso público para preenchimento de cargos no Quadro de Pessoal deste Tribunal Superior do Trabalho, observada a sua posição no certame, assegurando-lhe todos os direitos decorrentes da sua condição. Custas no valor arbitrado à causa de R$ 2.000,00 (dois mil reais), isenta a União na forma da lei.
                     Brasília, 01 de agosto de 2011.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Lelio Bentes Corrêa
Ministro Relator

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